De acordo com o professor da Universidade de Brasília (UnB), David Renault da Silva, “mesmo quando se fala mal do governo do Fernando Henrique, tenta-se preservar sua figura do presidente”
Uma análise sobre a cobertura da imprensa revela que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi tratado com condescendência pela mídia brasileira, ao longo de seus oito anos de mandato. Mais que isso, FHC passou incólume mesmo quando os escândalos batiam à sua porta. A mesma sorte não tem o presidente Lula, sempre retratado com desconfiança pelos principais jornais do país e associado diretamente às denúncias de irregularidade de seu governo.
Essa avaliação é feita pelo professor da Universidade de Brasília (UnB), David Renault da Silva, autor da tese de doutorado Nunca Foi tão Fácil Fazer uma Cruz numa Cédula? — A Era FHC nas Representações da Mídia Impressa. O texto foi publicado no site Congresso em Foco.
“Mesmo quando se fala mal do governo do Fernando Henrique, tenta-se preservar sua figura do presidente”, diz o diretor da Faculdade de Comunicação (FAC) da UnB. “O presidente Lula não adianta dizer que ‘não sabe’. Mas o FHC podia dizer, porque ele era um intelectual. O raciocínio é que ele não se metia nessas coisas menores”.
Segundo Renault, “o Lula, o PT, não é um candidato da imprensa nacional. A grande imprensa nacional não é petista, não tem interesse que o PT se mantenha no poder”.
Jornalista com passagem por cargos de chefia nas principais redações da capital federal e professor universitário há 15 anos, David atribui a “boa vontade” da imprensa brasileira com o tucano a uma espécie de “pacto de elites”. Esse acordo, segundo ele, foi tacitamente construído em 1994 para tentar barrar o favoritismo eleitoral de Lula naquele ano e frear o eventual retrocesso do então recém-lançado Plano Real.
Pai do Real
“Do ponto de vista nacional, as chamadas elites nacionais, as classes econômicas sociais dominantes, não tinham candidato que pudesse fazer frente ao Lula. O Fernando Henrique surgiu um pouco como esse candidato”, analisa David. “E houve um claro apoio da mídia a FHC. Ele foi apontado como o ‘pai do Real’ e sempre ocupou mais espaço no noticiário do que Lula”, observa.
Para concluir seu doutorado, David se debruçou sobre 3 mil notícias de jornais e revistas publicadas entre 1995 e 2002. Ao observar o noticiário político do período, constatou que o presidente não teve sua imagem diretamente associada a escândalos mesmo quando as denúncias resvalavam em seu gabinete.
Como exemplo, ele cita o caso da denúncia de compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição e o do envolvimento de autoridades do governo com lobistas para favorecer determinados grupos no leilão das teles. Um grampo telefônico mostrava, inclusive, que o presidente foi consultado sobre o assunto.
Restrições
“Se você pega o balanço final dos dois governos de Fernando Henrique, você percebe que na Era FHC tenta-se preservar a figura do presidente, no sentido de ‘o presidente está fora de escândalos, ele é um homem íntegro’. A Folha de S.Paulo, por exemplo, teve um editorial de primeira página muito significativo que dizia: ‘presidente bom, governo nem tanto’”, lembra Renault.
Para o pesquisador, FHC só teve sua imagem abalada quando, em 1999, em meio a uma crise internacional, alterou a política cambial e afetou os negócios dos grandes veículos de comunicação. “Nessa época, as empresas, inclusive de comunicação, perderam muito dinheiro, pois tinham dívidas e projetos de investimentos em dólar. Todos os jornais que tinham apoio bastante significativo ao presidente parecem romper.”
Mas esse rompimento, segundo ele, não chegou a se concretizar. Em parte, avalia, por causa da resistência da mídia ao PT. “Não vejo, digamos assim, essa condescendência da mídia com Lula que você via com o governo passado. Há sempre uma desconfiança de que pode mudar a qualquer momento. Sempre alerta”, afirma.
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