Correto ao diagnosticar as transformações em curso no país, FHC se equivocava em acreditar que os novos e emergentes setores da sociedade, quando se organizassem efetivamente, apoiariam seu projeto de reformas. Como bem destacou, na época, a cientista política Maria Vitória Benevides, as afirmações de que a crise de representação era algo novo no país e a de que os movimentos sociais, em especial o MST, estavam enfraquecidos eram falácias tão gritantes que deixavam no ar uma impressão de bonapartismo sugerido. O que o ex-presidente insinuava era que o velho não estava com ele, mas o novo só não o apoiava por falta de organicidade. A incapacidade de pensar o país foi a marca do governo tucano.
O cenário era desolador. O ambiente pós-desvalorização ficou confuso. Sem crescimento, não se recuperava o nível de emprego. O desemprego que explodiu em janeiro de 1998 por causa da crise asiática, não dava sinais de reversão. A combinação de queda na renda e desemprego atingia o setor produtivo. O comércio registrava perdas expressivas durante 18 meses. Com vendas fracas, indústria e comércio tendiam a segurar os preços, deixando claro que só com ambiente recessivo o governo tucano conseguia reduzir a taxa de inflação. Diante disso, é possível falar em continuidade de modelo?
Nesse quadro, os partidos de apoio ao Governo-PSDB, PFL (DEM) e parte expressiva do PMDB - atribuíam à falta de comando do então presidente as disputas e brigas na base aliada. O distanciamento de Fernando Henrique do dia-a-dia da política e a crise econômica minaram sua autoridade, e resultado foi um verdadeiro tiroteio entre os principais políticos desses partidos. Aécio Neves, lembram disso?, se dizia inconformado com o processo de privatização de Furnas. No PFL, a comoção se dava por conta da não nomeação do ex-ministro Luiz Carlos Santos para nenhum cargo, depois de lhe terem prometido a presidência da BR Distribuidora. No PMDB, o desconforto foi causado por uma promessa não cumprida de FHC a Michel Temer de nomear um amigo do ex-presidente da Câmara para a direção da Petrobrás. O acúmulo de ressentimentos sinalizava para uma conclusão melancólica de governo.
As digressões de Fernando Henrique soavam a alheamento da realidade. Pior, uma fuga dela pelo discurso diletante. A situação se apresentava como nunca antes navegada: a impopularidade do presidente era maior que a do seu Governo, o real se contaminava com tudo isso e a bloco de poder contemplava a rota de afastamento. E nenhum jornal pensou em chamar um psicanalista para analisar um presidente em seu ocaso. Ou ouvir a população que, ao reprová-lo, mostrava não fugir da realidade. Um Jacob Pinheiro Goldberg para falar em “mecanismos de negação freqüente quando se enfrenta uma situação de impotência".
Afinal, deve ter sido muito doloroso para o “príncipe uspiano” descobrir que a sociedade nova não só estava com Lula como, após seis anos de governo, continua a apoiá-lo. Como nunca antes na história desse país.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4054